sábado, junho 30, 2007

Impressões sobre uma janela verde,

Meu comportamento em relação ao passar dos anos suporta apenas uma desconstrução neural de quem me acompanha no dia-dia.
Com a minha perna quebrada e uma infecção na uretra, impossibilidade é uma questão muito real nesse momento. Telefone chamo pizza, remédios, mulheres, cigarros. Minha janela, minha percepção de mundo. Helicopteros as 18h, um cruzamento e um prédio vizinho são tudo que tenho quando a tv não mais me cabe.
O outro prédio é uma oportunidade de praticar um crescente voyerismo. No 11 andar uma janela me conta uma historia de um casal que logo após as 23h soltam injurias para um sexo ardente, toda quarta aliás. No 9 andar, talvez nesta janela eu tenho um reflexo de mim mesmo, lá mora uma mulher igualmente com a perna quebrada que fica olhando em direção ao meu prédio através de uma luneta, ela talvez nunca teria reparado que existe outra pessoa que assim como ela mesma faz; observa.
O mais intrigante, o 13 andar... Uma janela diferente das outras, mais larga e iluminada sempre por uma luz verde. Como são dois andares acima de minha janela a unica coisa que consigo assistir é uma movimentação de espectros no teto da janela verde.
Visitas estranhas em minha sala. Tenho medo disso, tenho medo de recrutas. Minha empregada ocasional sempre dá uma ajuda nesse aspecto.
- O senhô já pode sair do quarto , eles já foram.
Volto para sala com a perna dura no gesso. Poltrona minha. Moldada .
- Cháu doutor, tô indo! Na sexta o senhô qué alguma coisa especial pru almoço?
- Não, faça qualquer coisa aí que eu como. Até mais.
A noite cai e com isso a Tv novamente perde a graça.
No cruzamento sempre tem uma batida ou assalto, pedeu a graça.
Volto o olhar novamente para o que há de melhor na minha janela a cabo.
Hoje é terça, o casal do décimo primeiro está jantando, calados (inclusive por muito tempo achei que eles eram algum tipo de casal deficiente, ela cega e ele surdo) hoje não tem visitas, de vez em nunca eles praticam swing com um casal de amigos que sempre frequenta duas vezes ao ano.
Agora são 22:30, hora de dois remédios e de minha dupla dose de conhaq, no nono a garota retirou o gesso da perna imobilizada. Eu tenho ainda 40 dias ainda. Tsc Tsc Tsc.
Ao mirar o binoculo para a janela verde vejo que as sombras estão lá, rodando. Até que a luz verde se torna vermelha, as sombras param, algo se aproxima da janela... Um corpo é jogado, do décimo terceiro até o térreo. Na janele estilhaçada um vulto observa a queda, de repente também me observa.
Desso a cortina e ligo a Tv. Talvez esteja passando algo mais interessante, tipo um jogo.




Tiagho D.



Um comentário:

The Very Lost disse...

O final dos seus contos. É a sua especialidade. Sempre uma supresa e uma reação nada ordinária do personagem.

Vc tem os olhos pra ver a peculiaridade de atos que passam despercebidos pela mente comum.

Quando eu morava naquele apt em sampa, sempre tinha uma mulher no predio em frente, tdos os dias na janela, o que me incomodava um pouco. Uma pena ela nunca ter visto um corpo cainda do meu prédio.